Nos dias 2 e 3 de dezembro mulheres de diversos países da região se reuniram em São Paulo no II Encontro Latino Americano e do Caribe de Incidência Feminista. O encontro que reuniu representantes de mais de 10 países possibilitou intercâmbio de experiências e construção de estratégias para fortalecer a agenda feminista na região e impulsionar a Maré Verde. Promoveu também reflexões e aprendizados sobre os retrocessos de Roe versus Wade e seus impactos para a América Latina e Caribe.  A CEPIA esteve presente no Encontro representada por Andrea Romani.

Um dos desdobramentos do Encontro foi a elaboração conjunta de uma carta aberta dirigida ao Presidente Lula com demandas e recomendações para o fortalecimento da agenda feminista que, como registrado na carta ele é reconhecido como uma liderança de esperança para o Brasil, para a América Latina e para o mundo.

A Carta foi enviada ao Presidente Lula no dia 12 de dezembro, dia em que recebe a diplomação, que marca o fim do processo eleitoral.

Lei a Carta na integra abaixo:

Carta aberta ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente Lula: hoje é nosso tempo

Nos dias 2 e 3 de dezembro de 2022, nos reunimos na cidade de São Paulo, mulheres feministas de 10 países da América Latina: negras, indígenas e brancas. Analisamos nossas realidades, desafios e propostas de transformação social a partir da perspectiva de um pacto civilizatório do Bem Viver, como princípio orientador para a superação das desigualdades, opressões, discriminações, exclusões, capacitismo, racismo, modelos de exploração capitalista, extrativista e neoliberal.

Dirigimo-nos à sua pessoa porque o reconhecemos como uma liderança de esperança para o Brasil, para a América Latina e para o mundo. Nesse sentido, acompanhamos e apoiamos desde nossas organizações, os diferentes momentos de sua campanha eleitoral com a qual o elegemos novamente Presidente da República do Brasil.

Somos movimentos diversos que têm liderado processos de ampliação de direitos e de  construção de imaginários coletivos que estabeleceram como critério de relação social a justiça econômica, de gênero, racial, ambiental, a democracia e a luta constante contra o fascismo e os fundamentalismos que continuam tentando enraizar-se na nossa região e, porque não dizer, no mundo.

Assistimos a cenários de retrocessos em diferentes esferas nas quais numerosos grupos mobilizam forças políticas, institucionais e econômicas para questionar os direitos de mulheres e meninas. Hoje, aprofundam-se as dinâmicas de empobrecimento e de concentração da riqueza, enquanto aumentam as populações que vivem em condições de miserabilidade. A violência do aparato de segurança é fortemente direcionada contra a população empobrecida, o que é evidenciado  pela banalização do assassinato de jovens em comunidades periféricas. Em nossas sociedades, a desigualdade social se agrava a cada dia como resultado do capitalismo predatório e dos Estados cúmplices que se esquivam da sua responsabilidade de cuidar e garantir a cidadania, principalmente de mulheres e meninas.

Nos últimos anos, instalou-se um clima de ódio a opositores políticos, associado à disseminação indiscriminada de armas entre a população civil, criando um ambiente antidemocrático de combate a adversários e pessoas com posições divergentes. Assim, rompeu-se o pacto democrático construído desde o fim da ditadura civil-militar dos anos 1980. Tal ruptura impactou especialmente a vida das mulheres, meninas e adolescentes. 

Estamos confiantes de que o seu governo reverterá essas tendências, enfrentará os grupos econômicos que se beneficiam do uso privado do aparelho de Estado e avançará em novas frentes e alianças.

Os retrocessos ocorridos nos últimos anos significam um aumento da violência de gênero e a negação dos direitos das mulheres e das pessoas que não se alinham à sexualidade heteronormativa. Temos resistido à regressão de direitos e à violência com novos aprendizados de luta desde as margens, recuperando formas criativas de sobrevivência. Por isso insistimos: agora é nosso tempo. A construção democrática tem uma dívida conosco que não pode esperar mais. Uma verdadeira democracia é aquela que promove e garante igualdade, autonomia econômica, reprodutiva e política para as mulheres e para todas as pessoas discriminadas.

Onde o Estado tolera feminicídio, transfeminicídio e lesbocídio; onde meninas violentadas são coagidas a enfrentar gestações e maternidades forçadas; onde o acesso à saúde reprodutiva e ao aborto é negado, não há democracia nem Estado de Direito. Concordamos com você, Presidente: o aborto é uma questão de saúde pública. O governo que tomará posse em 1° de janeiro de 2023, democraticamente eleito, possui a responsabilidade perante os organismos internacionais e conta com o apoio dos nossos movimentos para garantir a saúde, a autonomia e a vida das mulheres em toda a sua diversidade.

Esperamos que o seu governo não nos exclua dos processos de tomada de decisão e de diálogos construtivos. Queremos ser protagonistas da criação de políticas públicas que afetem nossas vidas e nossos direitos fundamentais. Está em suas mãos colocar fim a tantos retrocessos e assumir a liderança política necessária para garantir plenamente os direitos de todas as mulheres e meninas. Conte conosco para avançar nessa agenda.

Assinam esta carta:

Agustina Vidales Agüero (Incidencia Feminista, Argentina)

Aidé García (Católicas por el Derecho a Decidir, México)

Alejandra Tolosa (CLADEM, Argentina)

Andrea Romani (CEPIA – Cidadania Estudo Pesquisa Informação Ação, Brasil)

Carmen Martínez (Centro de Derechos Reproductivos, Colombia)

Danitza Pérez Cáceres (ABOFEM, Asociación de Abogadas Feministas de Chile)

Denise Mascarenha (Católicas por el Derecho a Decidir, Brasil)

Dina Cabañas (Católicas por el Derecho a Decidir, Paraguay)

Fedra Torcisi (Incidencia Feminista, Argentina)

Fernanda Viana (Associação Redes de Desenvolvimento da Maré – Casa Preta da Maré, Brasil)

Gisele Pereira (Católicas por el Derecho a Decidir, Brasil)

Ilana Ambrogi (Anis. Instituto de Bioética, Brasil)

Jenny Durán (Incidencia Feminista, Argentina)

Jovana Rios Cisneros (Women’s Link Worldwide, Colombia)

Julia Leal (Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Brasil)

Julia Martino (Incidencia Feminista, Argentina)

Leticia Ueda (Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Brasil)

Lidiane Cristo (Rede de Jovens Católicas pelo Direito de Decidir, Brasil)

Lilian Conceição Da Silva  (teóloga, sacerdotisa da Ruah, Centro Ecumênico de Cultura Negra – CECUNE – e Comunidade Riozen. Comunidade de Afetos, Estudos e Práticas de Compaixão, Meditação e Espiritualidades Socialmente Engajadas, Brasil)

Lusmarina Campos García (Teóloga e pastora luterana, pesquisadora de direito pela UFRJ, Brasil, Instituto de Estudos da Religião)

Maria José Rosado-Nunes (Católicas pelo Direito de Decidir, Brasil)

Marta Alanís (Incidencia Feminista, Argentina)

Maru Rega (Atenea Feminista Popular, Argentina)

Mónica Menini (Católicas por el Derecho a Decidir, Argentina)

Morena Herrera (Colectiva Feminista para el Desarrollo Local. Agrupación Ciudadana por la despenalización del aborto, El Salvador)

Pate Palero (Católicas por el Derecho a Decidir, Argentina)

Paula Guimarães (Portal Catarinas, Brasil)

Paula Sánchez Mejorada (Católicas por el Derecho a Decidir, México)

Piedad Oriele (Con las amigas y en la Casa. OLA, Chile)

Renata Jardim (Themis. Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Brasil)

Rosália Izidro Morais (Pastora da Associação de Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero, Brasil).

Sandra Lia Bazzo Barwinski(Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres – CLADEM Brasil)

Stephani Salazar (Católicas por el Derecho a Decidir, Colombia)

Susana Kaufmann (Círculo Feminista, Casa Grande, Uruguay)

Valeria Cristina Vilhena (Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero, Brasil)

Valeria Vázquez (Red Latinoamericana y Caribeña de Jóvenes por los Derechos Sexuales y Reproductivos RedLAC)

Wandersa Martins (Revista AzMIna, Brasil)

Yanni Ximena Caicedo (Unidas Para Avanzar, Batucada Sur-Versiva, Colombia)

 

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