Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
(Cora Coralina)

Nesse mês de junho, a CEPIA comemora 30 anos de uma longa e produtiva caminhada na defesa dos direitos humanos das mulheres. Nascemos em 1990, em um contexto democrático, década em que as organizações não governamentais se afirmaram na arena política nacional e os movimentos de mulheres e o feminismo foram protagonistas fundamentais na afirmação dos direitos das mulheres.

A CEPIA esteve presente em todo o histórico contexto nacional e internacional, da década de 1990, marcada por atuações inovadoras dos movimentos feministas, das redes e organizações de base, das Conferências Internacionais de Meio Ambiente (Rio), de 1992, de Direitos Humanos (Viena), de 1993, de População e Desenvolvimento (Cairo), de 1994, da IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing) de 1995. Nessa década a CEPIA também marcou seu protagonismo na produção legislativa, participando na elaboração do texto básico da Lei do Planejamento Familiar (1996) que regulamentou o inciso 8, do artigo 226, da Constituição Federal e incorporou os subsídios das Conferências de Cairo e Beijing.

Em nossa trajetória, fortalecemos a agenda feminista de décadas anteriores, em especial aquelas propostas da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes de 1987, e consagradas na nossa Constituição de 1988. Nos lançamos, de imediato, na ampliação desses direitos, na conquista de novos direitos e na defesa de políticas públicas que viabilizassem o seu exercício. Sempre tivemos plena consciência que a distância entre a conquista dos direitos formais e a sua implementação se apresentava, e ainda, se apresenta, como um dilema da nossa democracia.

Desde seu inicio, a CEPIA definiu uma linha de atuação voltada para a pesquisa, difusão de conhecimentos, diálogo com amplos setores da sociedade, atuação junto a mulheres e jovens, formação e capacitação de públicos diversos, inclusive agentes públicos das área de segurança, justiça e saúde para o melhor atendimento às mulheres. As ações de advocacy na defesa dos direitos das mulheres e de sua implementação em políticas públicas acompanham nossa atuação ao longo destas 3 décadas. Tivemos um importante protagonismo na elaboração do texto que deu origem à Lei de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres – Lei Maria da Penha (2006) em uma atuação conjunta com um consórcio de organizações feministas e uma forte ação de advocacy no Congresso Nacional. Impulsionamos nossa atuação para a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, apoiando as Normas Técnicas do Ministério da Saúde sobre atenção às mulheres vitimas de violência sexual e dialogamos com profissionais de saúde para ampliar a atenção as vítimas de violência sexual e o acesso ao aborto legal e seguro. Entre 2003 e 2016, de forma propositiva, dialogamos com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, SPM, advogando por novas políticas públicas e pelo conjunto de temas e questões da agenda dos movimentos e organizações de mulheres. Também atuamos junto às instituições da Justiça, em especial junto ao Supremos Tribunal Federal para garantir a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, para defender o direito das mulheres ao aborto legal e seguro, em especial nos casos de anencefalia e do Zika vírus, e fomos vitoriosas no STF em alargar o acesso das mulheres aos recursos públicos necessários à ampliação da representatividade política das mulheres.

Atuamos junto a adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social para promover uma educação de defesa dos direitos humanos, da igualdade de gênero, de repúdio ao racismo, de respeito à diversidade. Desenvolvemos nossos projetos para esse público em interação e aprendizagem com esses jovens e através de nossas mídias sociais.

Atuamos também na capacitação e empoderamento de outras mulheres, representantes de ONGs, e órgãos governamentais, em cursos de formação aos quais trazemos também uma dimensão internacional dos desafios e da solidariedade de outras organizações de mulheres, parceiras na rede global WLP, mulheres aprendendo em parceria por direitos, desenvolvimento e paz.

A partir de 2016, navegamos em águas turbulentas e tempestades. Enfraquecimento da democracia, redução de direitos sociais, aumento das desigualdades e da intolerância. Vimos com espanto e temor o golpe, de 2016, contra a Presidenta Dilma. Com perplexidade o avanço da extrema direita em sua articulação com os fundamentalistas, a institucionalização dos discursos de ódio, o negacionismo da ciência, o crescimento do racismo, da homofobia e a negação da perspectiva de gênero. Por outro lado, vemos com esperança a juventude feminista reagir, os movimentos de mulheres negras denunciarem o racismo institucional, e a capacidade de instituições e organizações da sociedade civil de resistir às pandemias que nos assolam na saúde e na política. Não abrimos mão de nossos ideais e de nossa atuação. Contamos com uma equipe competente e comprometida com nossos ideais sem a qual não teríamos atravessado essas 3 décadas de resistência e conquistas.

Atravessamos esses novos tempos de tempestades com a mesma força e determinação seguindo a lição de Cora Coralina. Não nos deixarmos destruir – continuamos a escrever nossa história, recriar a democracia, remover pedras, plantar e cantar sempre a esperança e a beleza de um mundo mais doce e melhor.

Leila Linhares Barsted e Jacqueline Pitanguy
Coordenadoras Executivas

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