A VOLTA DO NEGUINHO DO PASTOREIO
Carlos Schelinger

O Instituto dos Advogados Brasileiros aprovou em sua primeira sessão plenária do ano, realizada no dia 5 de fevereiro, presidida pelo Dr. Fernando Fragoso, moção de repúdio à atuação de grupos de pessoas que, a pretexto de coibir atitudes inquinadas de criminosas – por estes mesmos grupos – vêm praticando atos de violência organizada contra a população.

Esta moção foi motivada pelo cruel espancamento de um menor de 15 anos de idade, morador de rua, num dos bairros da cidade do Rio de Janeiro, por parte de cerca de 30 (trinta) indivíduos, como narrou a vítima, grupo este que se intitulava “Os Justiceiros”.

Violenta a cidadania, a possibilidade de que sejam organizados grupos para prática de atos de selvageria, ao argumento de que estariam, isto sim, praticando atos de Justiça pela suposta inércia do poder público.
Uma sociedade é organizada política e administrativamente de forma que seja assegurada aos acusados o devido processo legal, garantia mínima sobre a qual se assentam os Estados de Direito.

A imagem do menor espancado, despido e acorrentado a um poste remete ao imaginário nacional, seja consciente ou não, das práticas escravagistas e racistas praticadas ao longo dos séculos: não é à toa que a população negra, de forma vívida, tem como seus ícones e entidades mitológicas o Negrinho do Pastoreio, a escrava Anastácia e outros escravos martirizados durante séculos de submissão forçada.
Não é outra a leitura que surge das imagens divulgadas, e não terá sido outra a matriz inspiradora da autoria deste ato covarde.

O argumento de que o menor seria infrator não impressiona, nem justifica a formação de grupos, milícias ou organizações paramilitares. O Estado falha ou pode falhar, mas dispõe de regras de civilidade que fazem distinguir massas e hordas da nação organizada politicamente.

Ao raciocínio simplista da justiça pelas próprias mãos opõem-se milênios de desenvolvimento e conquistas democráticas que apuraram a barbárie do início dos tempos, aprimorando a organização social.

De se notar que, na gênese dos regimes totalitários estão sempre presentes grupos paramilitares seja sob a tutela de partido político ou de segmento, a subverter a ordem do Estado para, posteriormente, assumí-lo de forma ditatorial e frequentemente sanguinária. É a lição da História.

Adequada assim, a pública manifestação do IAB repelindo, em nome das forças democráticas que sustentam a nacionalidade, a deletéria atuação desses grupos e indivíduos.

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