Em uma longa sessão de dois dias, o STF julgou constitucional o   direito de a mulher interromper a gravidez em caso de gestação de feto anencéfalo, declarando que esse procedimento não configura crime na legislação brasileira. Dez Ministros julgaram que não se pode exigir de uma mulher grávida de feto anencéfalo que leve adiante essa gestação colocando em risco sua autodeterminação reprodutiva, sua saúde física e psíquica. Para esses Ministros obrigar a mulher levar a termo, contra sua vontade, essa gravidez equivale a submetê-la à tortura e desrespeitar a sua dignidade humana.  Com esse julgamento, o STF deu legalidade à prática do aborto voluntário em caso de gestação de feto anencéfalo, declarando que a mulher e o médico que fizerem esse procedimento estão amparados pela legalidade. Essa decisão é de grande alcance obrigando todos os órgãos da justiça a reconhecerem o direito da mulher que se encontra nessa situação.

A decisão do Supremo vinha sendo postergada desde 2004, quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde moveu ação para que o STF declarasse a constitucionalidade da interrupção voluntária da gravidez em caso de gestação de feto anencéfalo. A CEPIA  apoiou essa iniciativa desde seu início  e lançou, em 2009, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, uma campanha  nacional para sensibilizar a sociedade e as autoridades governamentais sobre a importância de dar legalidade à interrupção da gravidez  de feto anencéfalo. A Campanha se fez por meio oudoors, cartazes na grande mídia impressa e cartões enviados  para diversas pessoas e instituições públicas. Nessa campanha a CEPIA destaca que, ao contrário da irreversibilidade da anencefalia, as leis são reversíveis para serem compatíveis com a dignidade humana.

Os votos apresentados pelos 10 Ministros favoráveis à legalidade desse procedimento calcaram-se em argumentos que evocam o avanço da ciência na detecção da anencefalia; o estado de necessidade e a inexibilidade de conduta diversa das mulheres que se encontram nessa situação; a lei que pune o crime de tortura; os tratados, convenções e declarações internacionais assinados pela Brasil; o direito à privacidade, à autodeterminação e o direito à saúde,  garantidos na Constituição brasileira de 1988.

Assim, após 72 anos da edição do Código Penal brasileiro, de 1940, o STF reconheceu mais um permissivo legal para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo que se soma às duas outras condições de legalidade do aborto no Brasil: risco à vida e em caso de gravidez resultante de estupro.

Com essa decisão o Estado brasileiro acata em parte a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995, em Pequim, que exortou os Estados Partes da ONU, que ainda penalizam o aborto voluntário, a reverem e abrandarem sua legislação repressora da interrupção voluntária da gravidez.