O Supremo Tribunal Federal está realizando audiências públicas para ouvir médicos, religiosos, representantes de organizações da sociedade civil, dentre outros, para apresentar argumentos, pró ou contra,  relativos a interrupção da gestação de fetos com anencefalia. No dia 4 de setembro Jacqueline Pitanguy, representando o CNDM, participou de audiência. Veja abaixo a apresentação e mais noticias sobre sobre as audiências. Para maiores informações sobre estas audiências acesse o site da CCR, Comissão de Cidadania e Reprodução, www.ccr.org.br

Supremo Tribunal Federal
Audiência Pública
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
proponente : Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde CNTS
Exposição de Jacqueline Pitanguy
Brasília, 4 de Setembro de 2008

Excelentíssimo Senhor Ministro Marco Aurélio Mello, na pessoa de quem cumprimento os demais Ministros e Ministras deste Tribunal, autoridades, demais expositores, senhoras e senhores.

Agradeço a oportunidade de participar desta audiência para , em nome do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e enquanto coordenadora da ONG Cepia, Cidadania Estudo Pesquisa Informação Ação e integrante da Comissão de Cidadania e Reprodução, apresentar alguns argumentos no sentido de que seja autorizada a interrupção voluntária da gravidez em gestações de fetos anencéfalos . Estes argumentos se apóiam nas seguintes considerações:

1- A lei que rege os transplantes de órgãos (LEI 9434/97) afirma que o critério para o reconhecimento do óbito é a morte encefálica ou morte cerebral. Isto significa que o conceito de vida está intimamente ligado as funções cerebrais, que nos tornam seres humanos capazes de pensar, de sentir, de relacionar-se, de interpretar o mundo, de sonhar. A ausência de cérebro seria assim compreendida como ausência de vida. Se este principio é válido , por exemplo, para casos de atropelamento,quando, mesmo persistindo funções vitais , é diagnosticado o falecimento daquela pessoa, como não estender este princípio ao concepto anencéfalo? Entendo que nestas circunstâncias não caberia o debate filosófico sobre a vida.

Agradeço a oportunidade de participar desta audiência para , em nome do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e enquanto coordenadora da ONG Cepia, Cidadania Estudo Pesquisa Informação Ação e integrante da Comissão de Cidadania e Reprodução, apresentar alguns argumentos no sentido de que seja autorizada a interrupção voluntária da gravidez em gestações de fetos anencéfalos . Estes argumentos se apóiam nas seguintes considerações:

2-Mencionei que argumentaria no sentido de defender o direito a interrupção voluntária da gravidez. Trata-se assim de defender um direito de escolha da mulher que, ,se desejar levar a termo a gravidez nestas circunstâncias, está amparada na lei. Entretanto, a não permissão legal para a interrupção da gravidez quando a gestante assim o deseja é um grave desrespeito a seus direitos. Prevalece um concepto sem qualquer possibilidade de vida sobre uma cidadã plenamente capaz de tomar decisões e arcar com suas consequências. Esta mulher é cidadã de um país democrático , plural e regido por um estado laico. A separação entre Igreja e Estado é um pilar de nossa República e sua defesa é fundamental para que os direitos civis, políticos, sexuais e reprodutivos de todos os que , com crenças religiosas e convicções filosóficas distintas convivem neste país com igualdade de direitos e deveres. A propósito da dimensão de direitos da mulher gostaria de ler a nota do Conselho nacional dos Direitos da Mulher.

Nota do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher sobre a interrupção da gestação em casos de fetos com anencefalia

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER-CNDM vem publicamente reiterar seu posicionamento a respeito da interrupção da gestação em casos de fetos com anencefalia, no momento em que o tema volta à pauta do Supremo Tribunal Federal, quatro anos após a liminar que permitiu a interrupção de uma gestação com feto anencéfalo. Naquela ocasião o CNDM manifestou sua posição: “É direito das mulheres interromper a gestação em casos de anencefalia. É dever do Estado garantir esse direito.”

A aprovação da ADPF-ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL- não significará a obrigatoriedade da antecipação do parto, mas possibilitará o exercício do direito de escolha.

Reconhecemos o direito de escolha como um ato de proteção e solidariedade à dor e ao sofrimento das mulheres que vivenciam uma gravidez de feto anencéfalo, anomalia incompatível com a vida em 100% dos casos. O direito de escolha é uma questão de ética privada, não cabendo ao Estado a interferência em questões relacionadas a decisões sobre a saúde, quando esta é colocada em risco, e à intimidade, devendo, no entanto, respeitar a diversidade e garantir princípios fundamentais da nossa Constituição.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a universalidade do direito à saúde e o dever do Estado de oferecer gratuitamente a toda a população o acesso a esse direito.

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
Brasília, 28 de agosto de 2008

3-Finalmente , gostaria de me referir à argumentação relativa ao direito à saúde , e as consequências de ser obrigada a levar a termo uma gravidez nestas circunstâncias. As dificuldades e perigos da gestação de anencéfalos como hipertensão, maior possibilidade de ocorrência de eclampsia e dificuldades no momento do parto já foram apresentadas a este Tribunal. Ressalto sobretudo as terríveis sequelas emocionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos considera o acesso ao progresso da ciência como um direito humano. Nosso código penal data da década de 1940, quando não existia ainda a ultrasonografia, exame que permite que hoje seja realizado com exatidão o diagnóstico de anencefalia já com 12 semanas de gestação. Na década de 40, ao levar a termo a gravidez, o terrível choque emocional da gestante ocorreria, provavelmente, apenas no momento do parto. Hoje, no entanto, ela sabe que gesta um feto sem qualquer possibilidade de vida e , se desejar interromper esta gestação, porque deve ser obrigada a levar a termo um processo cujo final é um atestado de óbito e não um registro de nascimento, um caixão e um enterro em vez de um berço e a alegria familiar pela chegada de um bebê ?
Diria que obrigar uma mulher a vivenciar esta experiencia é impingir-lhe uma forma de tortura e constitui também um desrespeito a seus familiares, a seu marido ou companheiro a seus filhos se os tiver. As consequências psicológicas de um trauma como este são de longo prazo. Certamente a marcarão para sempre. Seu direito à saúde, entendido, segundo a Organização Mundial de Saúde, como o direito a um estado de bem estar físico e mental está sendo desrespeitado em um país em que a sua Constituição considera a saúde um direito de todos e um dever do estado.

4-Cabe perguntar, senhores Ministros, em nome de que lhe está sendo negado este direito,submetendo esta mulher ao sofrimento físico e mental?
Obrigada pela atenção.

Acompanhe este importante debate. Para maiores informações sobre estas audiências acesse o site da CCR, Comissão de Cidadania e Reprodução, www.ccr.org.br